Mais diários elucidativos

Por - Jerazel
04/12/23 16:48

Uma das principais ferramentas para investigação de palpitações é o Holter 24h. Esse é o método não invasivo mais útil para documentar e quantificar a frequência e complexidade de arritmias e relacioná-las aos sintomas do paciente¹.

Estudos passados demonstraram que os principais motivadores para realização do exame são, em ordem de frequência, palpitações, tontura, síncope². Entretanto a correlação positiva do exame varia de 23 a 41%²-³. O Holter, teve seu início nos EUA em 1949 através das pesquisas de Norman J Holter e Bill Glasscock, mas só passou a ser disponível comercialmente em 1962. Desde então, como a maior parte da tecnologia em medicina, sofreu modificações consideráveis com importantes melhorias como redução do tamanho, maior portabilidade e capacidade de bateria.

Modelo 445 Monitor Mini-Holter, imagem de livreto, 1976 / Modelo atual de Holter, Contec


Uma importante ferramenta diagnóstica do exame que não mudou tanto ao longo do tempo é o diário de eventos do paciente. Na maioria das vezes no início do exame o paciente recebe uma folha de papel e é orientado a anotar data e hora caso apresente sintomas com uma breve descrição da queixa.

O uso do diário de eventos ajuda a estabelecer se a queixa do paciente está ou não relacionada a achados eletrocardiográficos, auxiliando na programação terapêutica – caso existam alterações ou, ainda, caso a queixa não venha acompanhada de alteração no exame, a investigação de possíveis causas não relacionadas ao ritmo. O poder de relacionar a queixa que motivou o exame a alterações eletrocardiográficas ou não torna o diário de eventos elucidativo e é uma importante ferramenta diagnóstica.

Entretanto, a necessidade de preenchimento manual e muitas vezes a incapacidade de precisão da hora e minuto exatos do sintoma fazem com que o diário de eventos seja subutilizado. Em pesquisa realizada no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia em 2019, apresentada no congresso mundial de arritmias, foram avaliados 6585 exames realizados no ano de 2018. Desses, apenas 6,81% descreveu queixa no diário, com uma correlação positiva de 24,8%. Apesar da baixa descrição de sintomas, 68,6% dos assintomáticos tinham arritmias significativas. Diante desse resultado, dois cenários são possíveis: pacientes verdadeiramente assintomáticos ou que tiveram sintomas, porém não relataram.

Uma forma possível de otimizar o poder diagnóstico do Holter é a modernização do preenchimento das informações com a possibilidade de precisar o momento exato do sintoma e a facilidade de anotação digital. Através do uso de aplicativos em aparelhos mais modernos e com ‘botão de sintoma’ no dispositivo, o paciente pode registrar com mais facilidade estes eventos ou ainda, em métodos de monitorização on-line com o auxílio da inteligência artificial pode ser ativamente questionado sobre as atividades e sintomas no momento das alterações.

Tais evoluções podem ser a resposta para os muitos diários de eventos não elucidativos e determinar se o paciente faz parte do cenário um: verdadeiramente assintomático ou ao cenário dois: a relação entre o sintoma e a alteração eletrocardiográfica não foi possível simplesmente por falha de preenchimento do diário de eventos.

1. Miller JM, Zipes DP. Diagnosis of cardiac arrhythmia. In: Braunwald E, Zipes DP, Libby P, Bonow R, editors. Branwald’s heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. 7th ed. Philadelphia: Elsevier Sunders; 2004. p. 697- 712

2. Irfan, Ghazala, Mansoor Ahmad, and Abdul Rasheed Khan. "Association between symptoms and frequency of arrhythmias on 24-hour Holter monitoring." J Coll Physicians Surg Pak 19.11 (2009): 686-689

3. Clark, Pamela I., Stephen P. Glasser, and Edward Spoto Jr. "Arrhythmias detected by ambulatory monitoring: lack of correlation with symptoms of dizziness and syncope." Chest 77.6 (1980): 722-725.

4. Berbert, GH et al. Correlation between symptoms and electrocardiographic alterations in 24h Holter. 16th World Congress of Arrhythmias, Buenos Aires, 2019.

    Gabriela Hinkelmann Berbert CRM: 165397 - SP
    Cardiologista - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

    Data de publicaçã: 28/09/2020